2 de abr. de 2012

Resenha: "O tempo não para – Viva Cazuza"

Resenha: "O tempo não para – Viva Cazuza"




“O buraco que Cazuza deixou era tão grande, tão profundo que simplesmente não podia continuar vivendo. Hoje tento preenchê-lo com meu trabalho na Sociedade Viva Cazuza. Reencontro meu filho nas mãozinhas, nas gargalhadas gostosas dessas crianças.” 


Agora voltada especificamente para a Sociedade Viva Cazuza ¹, entidade que fundou em 1990 e preside até hoje, Lucinha Araújo lança seu terceiro livro ². Ela mostra de onde surgiu a ideia e como formou da instituição que, até hoje ativa, cuida de crianças e adolescentes portadores do vírus HIV positivo.

Ela conta sobre o convite que recebeu dos doutores Luis Carlos de Brito Lyra e Carlos Alberto Morais de Sá, que atuavam no Hospital Gaffrée e atenderam Cazuza. Após a morte do filho, Lucinha é chamada para ajudar no tratamento dos pacientes aidéticos, não só com doações em dinheiro, mas também de seu trabalho.

Lucinha ajudava na compra na compra do AZT ³, mas tentava, a todo o custo, não manter contatos diretos com os pacientes. Tinha medo de reviver todo o sofrimento que sentiu durante o período em que Cazuza esteve doente.

Mas, quando ajudamos uma pessoa a manter-se viva, não é tão fácil assim fugirmos de seus agradecimentos. Não teve jeito, Lucinha, por mais que tentasse, não conseguiu ficar longe dos pacientes! Visitava-os em dias alternados, usava o dinheiro ganho com os direitos autorais de Cazuza para comprar remédios, bancar exames, pagou até a reforma do andar onde tratavam os pacientes com AIDS.

Embora fosse de grande importância, Lucinha percebeu que não era fácil manter a ajuda informal que dava ao Gaffrée e lhe foi sugerido, pela própria equipe médica do hospital, que montasse uma ONG. Organizou o show “Viva Cazuza”, para arrecadar fundos e dar início a criação da entidade. Acabou por batizar a ONG com o mesmo nome.

Logo a entidade começa a visitar várias instituições, entre elas a Casa de Apoio Brenda Lee 4, que aconselha Lucinha a não trabalhar com adultos e lhe sugere a Casa Viva 5. Lá, ela se encanta com o trabalho desenvolvido com crianças portadoras de HIV positivo e decide que é esse o rumo que ela e a Sociedade Viva Cazuza devem seguir.

Lucinha expõe dados relativos aos casos de AIDS que apareceram desde os anos 80; as medidas preventivas, absurdas, apresentadas pelos especialistas da época; as inúmeras tentativas de se encontrar a cura para o HIV; as conferências internacionais... Enfim! Ela contra sobre tudo que leu, assistiu e participou na busca pela cura do vírus que atingiu seu único filho e que, de certa forma, contribuiu para que se tornasse ativista na luta contra a AIDS.

Depois de muito esforço, Lucinha finalmente consegue um imóvel, cedido pela prefeitura, tendo que dividi-lo com outra ONG – que, devido a um desentendimento com a Viva Cazuza, foi obrigada a se retirar, deixando a casa livre para a entidade –, reformou o espaço, pintando-o de azul e amarelo (em homenagem a música de Cazuza) e começou suas atividades. Recebendo crianças e adolescentes, tratando-os, encaminhando-os à escola e tentando, em muitos casos, a reintegração familiar.

É devido a esse esforço que a Sociedade Viva Cazuza merece todo o apoio, respeito e admiração que tem recebido ao longo dos anos. Embora estejam cada vez mais escassas as contribuições, a entidade continua com suas atividades, vivendo das arrecadações obtidas através dos direitos autorais das obras de Cazuza, dos eventos que organizam, das contribuições que recebem de algumas pessoas e da venda dos livros publicados por Lucinha.


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NOTAS:

[1] Sociedade Viva Cazuza: A ONG é composta por Lucinha (presidente), Beth Carvalho (vice-presidente), João Araújo (tesoureiro), além de amigos e doutores do Gaffrée como diretores.

[2] Livros já publicados por Lucinha: Cazuza, só as mães são felizes, livro que deu origem ao filme Cazuza, o tempo não para e Cazuza, eu preciso dizer que te amo, reunindo toda obra do grande poeta rebelde.

[3] AZT: Anti-retroviral (inibi a transcriptase reversa). Foi uma das primeiras drogas aprovadas para o tratamento de infecções por HIV. Embora seu uso, atualmente, seja associado ao de outros anti-retrovirais.

[4] Brenda Lee: “Cícero Caetano Leonardo, conhecido com Brenda Lee, foi um travesti que, em 1984, acolheu em sua casa uma pessoa (soro positivo) que havia recebido alta hospitalar e não tinha para onde ir. Assim começou o trabalho de Brenda...”.

[5] Casa Viva: “Fundada em 1991, a instituição mantém duas unidades para crianças e adolescentes HIV positivo na cidade de São Paulo, e serviu de inspiração para o projeto da casa de apoio desenvolvido pela Sociedade Viva Cazuza”.

1 de abr. de 2012

Éric Meireles e Jeny Azevedo: "Monteiro Lobato, sue obra é racista?!"

Crítica ao texto de Marcelo Carneiro da Cunha: "Emília e o racismo em Lobato":

"Monteiro Lobato, sue obra é racista?!"


Por Éric Meireles de Andrade e Jeeny Azevedo.

Por melhor que seja a intenção de Marcelo Cunha, em contrapor-se a demonização e proibição às leituras das obras de Monteiro Lobato e, também, ao analisar o anacronismo, pautando uma obra escrita há tempos, com olhar traduzido apenas no presente, o jornalista incorre em dois erros: o de não suplantar o olhar multicultural e em uma apresentação um tanto deturpada de Monteiro Lobato, posto como um racista, vítima de seu período histórico.

As próprias obras do “Sítio do Pica Pau Amarelo” põem em contradição essa afirmativa, haja vista o papel protagonista de Tia Anastácia, pois de suas mãos nascem outros grandes personagens, como Emilia e Visconde. Sem contar sua sabedoria notável, oral e vívida dos descendentes dos escravos plantadores de café do Vale do Paraíba, assim como Tio Barnabé, sabedoria essa que o autor faz questão de apresentar!

Além dessa, temos também o Saci, figura mítica secular de maior expressão nacional, posto, hoje, nas barbas cruéis da censura politicamente correta. Afinal, é um menino que fuma um cachimbo, fala palavrões e é travesso, né?!

A contradição central, no texto do jornalista Marcelo Cunha, se dá ao analisar Monteiro Lobato nos limites dos olhares ideológicos do Multiculturalismo (visão cultural bipolar, importante para os países anglo-saxões, mas de pouca eficácia analítica e referencial de nosso país, notavelmente mestiço e multifacetado).

Aqui, antes de afirmar se é ou não racista, precisamos entender a mistura de brancos, índios e negros, de seus papéis de sujeitos e coparticipantes na construção de nossa identidade e história nacional. Não devemos segmentá-los! Separar Tia Anastácia, Tio Barnabé e Saci de forma estanque, além de autonomizá-los e isolá-los, dos outros personagens do livro, por serem negros, é constituir um assassinato literário à obra e ao seu autor.

Por fim, vale destacar que é preciso, ao analisar um texto literário, separar a obra de seu autor. O homem Monteiro Lobato, para nossa história, está acima de uma discussão ainda superficial sobre ser ou não racista. Indubitavelmente, ele foi um grande brasileiro, pacifista e visionário das potencialidades nacionais, vide seu olhar sobre nosso petróleo e defesa do desenvolvimento do Brasil.

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"Emília e o racismo em Lobato" foi publicado no Terra Magazine e divulgado no Portal Vermelho. Leia na íntegra: “Marcelo Carneiro da Cunha: Emília e o racismo em Lobato”:  http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=159441&id_secao=11
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